“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato… Ou toca, ou não toca.”
Clarice Lispector
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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Clarice por Clarice
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
Clarice Lispector: cartas, clarice lispector
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
"Não é que vivo em eterna mutação,
com novas adaptações a meu renovado viver
e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir.
Vivo de esboços não acabados e vacilantes.
Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu,
entre mim e os homens, entre mim e o Deus."
(Um sopro de vida)
com novas adaptações a meu renovado viver
e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir.
Vivo de esboços não acabados e vacilantes.
Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu,
entre mim e os homens, entre mim e o Deus."
(Um sopro de vida)
Eu sou uma pergunta de certo. Uma pergunta que não deseja ser respondida. Que também não se contenta com as respostas porque acha tudo um tanto quanto relativo. Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar. E meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto. Quero tudo! Agora!
Clarice Lispector
Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.
Clarice Lispector
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Os venenos mais lentos
Gosto dos venenos os mais lentos!
As bebidas as mais fortes!
Dos cafés mais amargos!
E os delírios mais loucos.
Voce pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
E daí eu adoro voar!!!
Clarice Lispector
Inconstância
Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio. Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer… Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato… Ou toca, ou não toca.”
Clarice Lispector
Análise estilística do conto “O Búfalo” de Clarice Lispector
No conto “O Búfalo”, Clarice Lispector apresenta uma personagem que, rejeitada pelo homem que ama, vai ao zoológico, onde pensa encontrar ódio e animalidade, e parece querer não só legitimar o seu próprio ódio, encontrar-se com este sentimento, mas também matar um pouco do amor existente em si. A adversidade que permeia a narrativa aparece já no primeiro momento em que ela entra no zoológico. Neste ambiente, encontra-se com um animal solitário, com o qual se identifica, ou no qual identifica o homem que a rejeitou. Na mulher que vai ao Zoológico, procurando o ódio, mas encontra o amor transbordando no olhar e nas atitudes de cada animal, podemos perceber muito da identidade da própria autora. Clarice, assim como a maioria de suas personagens femininas, foi uma mulher muito solitária e frustrada amorosamente.
A trama gira em torno da maneira como a protagonista se posiciona perante o mundo e do domínio de seus sentimentos. Ela busca odiar aquele que a feriu, por isso, vai ao zoológico à procura da aprendizagem do ódio. Acreditando que tal aprendizagem se dará por meio da observação do modo como os animais se relacionam, já que, da mesma forma que o amor, o ódio é vivenciado e aprendido na convivência com outros seres. A premissa da personagem parece ser a de que haveria entre os chamados irracionais uma violência gratuita e instintual, uma espécie de pulsão da existência dos bichos, que determinaria o ódio entre eles.
A negação do ódio fica clara nas cenas de cumplicidade entre os animais, conforme se percebe na enumeração dos eventos a seguir: “Até o leão lambeu a testa glabra da leoa” “Mas isso é amor, é amor de novo”; “Com a tola inocência do que é grande e leve e sem culpa” “A macaca com olhar resignado de amor, e a outra macaca dando de mamar”; “Ao elefante fora dado com uma simples pata esmagar. Mas não esmagava, potência que se deixaria conduzir docilmente a um circo”. A partir da observação destas cenas a personagem depara-se com o fato de que as relações entre macho e fêmea não obedecem à mesma lógica que orienta as relações humanas.
Em “O Búfalo”, encontramos uma série de recursos estilísticos que aplicam ao texto um tom paradoxal e, o uso das palavras, especialmente adjetivos, é uma forma de garantir a expressividade do conto. Podemos observar que a autora faz repetidamente uso da conjunção “mas”. Em alguns casos, a conjunção é empregada sem valor sintático, ou com valor aditivo, mas, na maioria das ocorrências, a conjunção tem valor adversativo, reforçando as idéias contraditórias desenvolvidas no conto.
Outro recurso bastante utilizado é a repetição de palavras, especialmente adjetivos e substantivos. Essa repetição é proposital e pretende dar mais ênfase às idéias. As figuras de linguagem também fazem parte da lista de recursos estilísticos empregados pela autora. Um grande número de antíteses reforça as contradições apresentadas. As oposições de sentido mais evidentes são: “tranqüila raiva” – “negror e alvura” – “doçura de um cansaço” – “frescura de uma cova”. Encontramos também a sinestesia, como por exemplo, em “cheiro quente”.
A serviço da expressividade também estão as aliterações (“frio do ferro” – “rolo roliço” – “macaca dando de mamar” – “sangue cinzento circulava”), e as anominações (“jaula, enjaulada pelas jaulas” – “E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos”).
No parágrafo que começa com “Mas de repente foi aquele vôo de vísceras, aquela parada de um coração que se surpreende no ar, aquele espanto, a fúria vitoriosa...”, encontramos um recurso estilístico muito interessante, a cenestesia, que nada mais é que a percepção falseada dos órgãos internos ou do esquema corporal.
Clarice também utilizou um recurso generalizador. A personagem protagonista é descrita apenas como “a mulher”, não sendo dado a ela nenhum nome sobre o qual pudesse recair algum significado, senão o da ausência do próprio nome. Isto significa que a determinação especificada no referente “a mulher”, em toda a narrativa, pressupõe uma espécie de representação metonímica do conjunto mulheres na sociedade.
Graziela Vieira
(discente do curso de Letras - AEDB - Resende)
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